Um paradoxo é, por definição, uma aparente contradição entre duas afirmações, mas que conseguem subsistir sem que uma anule a outra. Quero falar de um destes paradoxos que estamos vivendo na odontologia brasileira.
Já é quase de senso comum a informação de que temos uma quantidade excessiva de cirurgiões dentistas no Brasil. Para uma população de quase 200 milhões de pessoas temos 262 mil CDs, segundo o CFO – Conselho Federal de Odontologia (dados de julho 2013). Fazendo as contas, chegamos a 1 cirurgião-dentista para cada aproximadamente 795 habitantes, mas se aplicarmos o índice da população economicamente ativa (de aproximadamente 56%) chegamos a 1 cd para cada 420 habitantes... apenas!
Mesmo sem precisar comparar estes números a outros países ou parâmetros internacionais, parece-me evidente que este número é bem reduzido para que possa sustentar um cirurgião-dentista ao longo de sua trajetória profissional. Ainda que este número sofra alterações com a desproporcional distribuição geográfica dos colegas pelo país, e também com a larga especialização que a classe vem se auto impondo, o que redistribui a demanda, as proporções continuam sendo geradoras de alta concorrência.
Ao longo dos anos, como reflexo deste fenômeno da alta concentração de dentistas em nosso país, vimos a classe mergulhar em falhas éticas, e em apelos desesperados por captação de clientes. O mesmo motivo vem sendo responsável (como pano de fundo) pela redução dos honorários profissionais ao longo dos últimos 20 anos. Na alta concorrência, a classe abaixa o preço ao invés de agregar valor, gerando um fenômeno macro econômico conhecido como espiral descendente. Veja o que aconteceu com as “manutenções” de ortodontia e entenderá o que estou falando.
Mas onde está o paradoxo aqui? Ocorre que nos últimos meses tenho observado que não há mais CDs disponíveis no mercado. Estão todos empregados e ocupados.
Se a concorrência é tão alta e há profissionais sobrando, seria então de se esperar que um anúncio com oportunidade para contratação de CDs nas grandes cidades resultasse em uma enxurrada de currículos sendo encaminhados para análise. No entanto, não é o que tem acontecido em São Paulo e outras capitais do país. Os donos de clinicas estão abrindo vagas, mas ninguém aparece para preenchê-las. Aumentam então a remuneração proposta e continua difícil, mostrando que o problema em si não é este, ou pelo menos não é somente este da remuneração.
Paradoxal, não é? Estranho...
Qual será a explicação para isso? Tenho algumas possibilidades que, acredito, se somem para produzir este paradoxo:
1. A economia brasileira está crescendo, trazendo novos consumidores de odontologia, ou seja, aumento de demanda. Isso significa que muito mais pessoas estão consumindo odontologia.
2. Alta especialização. A redução da quantidade de clínicos gerais redistribuiu a demanda para todos os que permanecessem nesta atividade. Como as clínicas costumam trabalhar nesta atividade generalista, tiveram aumento de demanda.
3. Aumento de clínicas e médio e grande portes, empregando principalmente os novos CDs que vão se formando (aproximadamente 8 mil por ano, atualmente). Desta forma, há menor quantidade de novos “concorrentes” no mercado, pois os profissionais se agregam aos estabelecimentos atuais ao invés de abrirem novos consultórios ou clínicas.
4. Aumento significativo de vagas abertas no serviço público por todo o país, ocupando assim parte importante dos colegas que possuíam alguma disponibilidade total ou parcial.
Deixo para cada um a reflexão sobre as causas deste fenômeno e sobre as possíveis explicações para ele, a fim de que possamos encontrar melhores caminhos e alternativas para continuar reaquecendo nosso mercado. E eu continuo acreditando na odontologia brasileira.